"Michael Jackson era louco mas não era má pessoa"
John Landis, o realizador de filmes como O Dueto da Corda, Os Ricos e os Pobres, Sangue Inocente e dos telediscos de Michael Jackson Thriller e Black or White, está em Lisboa como convidado do Festival MOTELx, e assiste amanhã, na Sala 1 do São Jorge (21.45), à projecção da versão remasterizada do seu clássico Um Lobisomem Americano em Londres, de 1981.
Realizou muitas comédias, além de filmes de terror. E quase todos os seus filmes de terror têm um elemento de humor negro. Qual dos dois géneros prefere?
Existe uma tendência para estereotipar os realizadores, tal como sucede aos actores: este faz comédias, este faz filmes de terror, este faz westerns, etc. Na verdade, o trabalho do realizador - e nem os tipos dos estúdios o sabem, são muito ignorantes - é essencialmente contar uma narrativa através de imagens. Plano atrás de plano, atrás de plano, e depois é tudo montado. É tudo cinema. Que, por vezes, pode tornar--se arte, tal como a pintura ou a escultura. Mas se um realizador é competente, pode fazer qualquer tipo de filme, contar uma história. Eu, por exemplo, não quero morrer sem fazer um western. Como diz o meu amigo Walter Hill, "se eles soubessem como nós nos divertimos a fazer westerns, não nos deixavam".
Então, recusa ser estereotipado enquanto realizador.
Detesto. É uma treta. É só marketing. As pessoas querem-nos pôr num nicho à força. Embora tenha havido directores que se aproveitaram disso brilhantemente, como o Hitchcock, que conheci. Era um homem muito inteligente, que se tornou no "Mestre do Suspense". Tinha um sentido brilhante do marketing.
Curiosamente, começou a sua carreira no cinema como "duplo" em westerns...
Sim, a cair de cavalos abaixo! E fui assistente em Heróis por Conta Própria, em 1969, onde conheci o Clint Eastwood, o Donald Sutherland e o Carroll O'Connor. Um filme rodado na ex-Jugoslávia, que à altura parecia ter acabado de sair da II Guerra Mundial.
E está agora em Lisboa, para acompanhar a exibição de Um Lobisomem Americano em Londres, que virou filme de culto.
Eu diria que é um clássico. Isto porque considero que um filme de culto é aquele que não foi um sucesso à altura da estreia, mas encontrou um novo público nas sessões de meia-noite, e tem um lado boémio. "Culto" implica fracasso, mas agora a palavra é usada por tudo e por nada. Agora, até Guerra das Estrelas é de "culto"!
Como é que chegou à realização do teledisco de Thriller, em 1983?
Porque o Michael Jackson queria transformar-se num monstro. Estava fascinado com a ideia de metamorfose e com o trabalho do Rick Baker, o mestre de efeitos especiais de criaturas. E basicamente, queria virar um monstro na tela. O Michael era, na altura, a maior estrela do mundo, e eu queria aproveitar essa celebridade para fazer uma curta- -metragem para o cinema.
Então a ideia inicial era que Thriller não fosse um teledisco, mas sim uma "curta".
Exactamente. E chegou a passar no cinema nos EUA, embora apenas por três semanas. Mas fez tanto, tanto dinheiro, que os produtores, a CBS Records, perceberam o seu impacto e mandaram-no para a televisão. Com todo o sucesso que conhecemos, e o consequente efeito no formato dos telediscos. E nada disto foi planeado, não foi a ideia brilhante de ninguém. Tudo sucedeu apenas porque o Michael queria interpretar um monstro.
Como foi trabalhar com o Michael Jackson nessa altura?
Gostei muito. Foi como lidar com um génio de dez anos. Profundamente traumatizado. O pai dele é um porco - pode citar-me -, um homem horrível, odeio-o. Para ele, a morte do Michael é um negócio. Ele não lhe falava há anos. E a mãe, que é testemunha de Jeová devota, nunca o irá contrariar. O tipo é um gangster, espancava os filhos à bruta.
O Michael Jackson que dirigiu mais tarde no teledisco de Black or White, em 1991, era muito diferente do de Thriller?
Era a mesma pessoa. Só que o Thriller é "meu" e o Black or White é dele. Eu gostava muito, muito do Michael. Mas era uma pessoa muito perturbada. Era damaged goods. Aliás, seria impossível para qualquer pessoa sobreviver a um tal grau de celebridade. Ele nunca soube o que era uma vida normal, desde os oito anos que trabalhava no duro. Eu conheci muita gente famosa, o Elvis, os Beatles, os Rolling Stones, o Frank Sinatra, mas estar com o Michael no auge da fama de Thriller era como estar com Jesus Cristo. Lembra-se de quando o John Lennon disse que os Beatles eram mais conhecidos que Jesus? Eu compreendo-o perfeitamente, porque as pessoas enlouqueciam quando viam o Michael. E não só as raparigas. Vi homens adultos, polícias, desatarem a berrar como loucos. E ver dez mil pessoas nesse estado é muito estranho. É assustador.
Que impressão é que ele lhe deixou?
O Michael era louco, mas não era má pessoa. Eu gostava muito dele. E vê-lo ao vivo era uma experiência única. Era uma pessoa muito frágil, quase transparente, mas no palco explodia como uma bomba de neutrões. Ele foi a única verdadeira superestrela internacional.